© Luís da Cruz

VERA MANTERO – Os Serrenhos do Caldeirão, exercícios em antropologia ficcional

CCL – Centro Cultural de Lagos
Sex 4 NOV, 21h30

Dança / 2016 / M12

Os Serrenhos do Caldeirão, exercícios em antropologia ficcional foi elaborado no âmbito do Festival Encontros do Devir, da DeVIR, em torno da desertificação / desumanização da Serra do Caldeirão, no Algarve.
Uma das condições propostas por esta encomenda era utilizar imagens vídeo, feitas por mim, que teria que ir filmar à Serra. Filmei sim. E usei sim. Mas também recorri muito às recolhas em filme do Michel Giacometti, sobretudo aquelas que ele fez em torno das canções de trabalho.

Toda a peça é povoada de vozes que vêm de longe. Os tradicionais ferrinhos são usados para reproduzir o som do silêncio, o som da serra. Eu reproduzo algumas das canções trazidas até nós pelo Giacometti, cantando para os actuais trabalhadores rurais, retomando tradições perdidas, tentando re-activá-las.
E não é só de música que se trata, é também da palavra e da terra; a palavra de um Antonin Artaud em combustão, de um Prévert martelado em jeito de poesia sonora (as suas palavras sobre ruínas combinando magicamente com as imagens das ruínas que encontrei na Serra). O todo acaba por ser um forte olhar sobre a preciosa recolha do Giacometti. E é também um olhar sobre práticas de vida tradicionais e rurais em geral, conhecimentos das culturas orais de norte a sul do país, e não só: também as de outros continentes, que nesta peça são trazidos com Eduardo Viveiros de Castro e a referência aos índios da América do Sul (que miraculosamente todos os espectadores acreditam ser os Serrenhos do Caldeirão…!).

Com este retrato alargado dos Serrenhos do Caldeirão eu falo nesta peça de povos que possuem uma sabedoria que perdemos. Uma sabedoria na ligação entre corpo e espírito, entre quotidiano e arte. Mas uma sabedoria que podemos (e devemos, para nosso bem) reactivar. Toda a minha dança final, com o meu precioso tronco (de cortiça), remete para isso.


Concepção e Interpretação: Vera Mantero
Desenho de Luz: Hugo Coelho
Captura de Imagens e Elaboração de guião para Vídeo: Vera Mantero
Montagem Vídeo: Hugo Coelho
Excertos Vídeo da filmografia completa de Michel Giacometti: Salir (Serra do Caldeirão), Cava da Manta (Coimbra), Dornelas (Coimbra), Teixoso (Covilhã), Manhouce (Viseu), Córdova de S. Pedro Paus (Viseu) e Portimão (Algarve)
Excertos de Textos de: Antonin Artaud, Eduardo Viveiros de Castro, Jacques Prévert e Vera Mantero
Residências Artísticas: Centro de Experimentação Artística – Lugar Comum / Fábrica da Pólvora de Barcarena / Câmara Municipal de Oeiras e DeVIR / CaPA / Faro
Co-Produção: DeVIR / CaPA
Produção: O Rumo do Fumo
Agradecimento: Editora Tradisom
Este projecto foi uma encomenda dos Encontros do DeVIR da DeVIR / CaPA


Vera Mantero estudou dança clássica com Anna Mascolo e integrou o Ballet Gulbenkian entre 1984 e 89. Tornou-se um dos nomes centrais da Nova Dança Portuguesa, tendo iniciado a sua carreira coreográfica em 1987 e mostrado o seu trabalho por toda a Europa, Argentina, Brasil, Canadá, Coreia do Sul, EUA e Singapura.
Desde 2000 dedica-se também ao trabalho de voz, cantando repertório de vários autores e co-criando projectos de música experimental. Em 1999 a Culturgest organizou uma retrospectiva do seu trabalho até à data, intitulada Mês de Março, Mês de Vera.
Representou Portugal na 26ª Bienal de São Paulo 2004, com Comer o Coração, criado em parceria com Rui Chafes. Em 2002 foi-lhe atribuído o Prémio Almada (Ministério da Cultura Português) e em 2009 o Prémio Gulbenkian Arte pela sua carreira como criadora e intérprete.