© Cláudia Lancaster & Gonçalo Duarte

Cavalos marinhos a desaparecer

Um festival é um momento de festividade. Neste Verão Azul, queremos celebrar a arte, a leveza do encontro mas também pensar o mundo e suas problemáticas atuais.

Nesta 9ª edição, o Verão Azul propõe-se debater o Antropoceno – conceito popularizado por Paul Crutzen, Prémio Nobel da Química em 1995 – que consiste na época geológica que vivemos e que se caracteriza pelo impacto das ações do Homem no seu habitat. A região do Algarve, tal como todo o nosso planeta, é vítima da ação humana, tornando visível o Antropoceno a nível ecológico, social e económico. Região periférica de um país periférico, o Algarve tem cavalos marinhos em perigo na Ria Formosa, camaleões a desaparecer das dunas do sotavento, ameaças de furos de petróleo ao largo de Aljezur, campos de golfe a invadir a região, praias a desabar, construções em zonas de Reserva Agrícola. Quem faz? O Homem. Motivação? Acumulação de capital. Andreas Malm defende que as alterações climáticas do nosso planeta são causadas pela pequena percentagem de poderosos que controlam os meios de produção e tomam decisões sobre o uso de energia e outros consumos da maioria da população mundial, defendendo que, mais do que vivermos no Antropoceno, somos comandados pelo Capitaloceno. Esta constatação pode ser mudada pela ativação da nossa consciência cidadã de que partilhamos um mesmo mundo e que juntos podemos ser uma força.

Porque acreditamos na cidadania, também acreditamos no valor político da festa: que juntar e promover encontros entre pessoas também permite debater questões sérias. Assim, nesta edição propomos aos espectadores deambular por diversas cidades e entrar connosco nesta época em que vivemos, com total consciência, assistindo a espetáculos que falam sobre estes temas desde distintas perspetivas: poéticas, como Alessandro Sciarroni, Cátia Pinheiro e Gustavo Ciríaco, que nos fazem deambular pela nossa imaginação sobre paisagens que são de todos; políticas como Mil Metros 2, Niño de Elche e Silke Huysman & Hannes Dereere, que nos propõem pensar o nosso papel enquanto cidadãos; sociológicas, como André Príncipe, Susanne Meures, Clement Cogitore e João Salaviza & Renée Nader Messora, que nos mostram com imagens formas de viver que podem estar longe da nossa. Mas também propomos que as pessoas se juntem em experiências imersivas como os espetáculos de André Uerba e de Ferrandini, Cepeda e Maria. Este ano haverá dois pontos de encontro em Loulé e Faro, onde convidamos os espectadores a encontrar-se após os espetáculos nos teatros e ainda ter a possibilidade de ouvir concertos de músicos da região, ao lado de outros músicos nacionais; onde também promovemos encontros com os artistas e desenvolvemos um pensamento crítico sobre o festival. Depois de duas semanas no Sotavento, encerramos o festival em Lagos com mais espetáculos feitos para a cidade, para a infância e para os amadores de arte. No Centro Cultural de Lagos apresentamos Raquel André e seus amantes e fechamos o festival com Tó Trips e Tiago Gomes, num concerto de homenagem a Jack Kerouac.

Criado em 2011, o Festival Verão Azul assumiu em 2017 uma cadência bienal. Em 2018, acolheu artistas e projetos artísticos em residências no sotavento e barlavento Algarvio que desenvolveram as suas peças em diálogo e com comunidades e morfologias desta região, criando uma relação mais estreita entre as temáticas que nos preocupam e o território local. O Festival pretende ligar mais profundamente o território a outros e aprofundar questões que nos tocam sobre o nosso futuro, o nosso passado e, sobretudo, o nosso presente.

Ativistas, teóricos e cidadãos da região têm lutado muito para fazer com que os problemas que afetam ambiental, económica e socialmente a região, possam passar a outro nível de notoriedade. O Verão Azul aproveita esta edição para dar notoriedade ao Antropoceno e Capitaloceno e a distintas formas de enfrentar as suas consequências. Apresentamos uma programação com artistas nacionais e estrangeiros reconhecidos e emergentes que gostamos, cujas práticas são orientadas pela ética e que falam sobre a nossa sociedade e o nosso mundo, provocando, através da arte, posturas estéticas, políticas e emotivas para que se avance um pouco mais no pensamento e ação sobre o mundo.

Tentando chegar ao nosso melhor, ainda usamos papel para divulgar o festival (ainda que reciclado), ainda usamos carros para nos deslocarmos (mas damos boleias), mas queremos estar juntos, em festa e em conjunto, expondo aquilo que os centros de poder tendem a desacreditar: massa crítica na “periferia”, festa com temas sérios, arte com educação e cidadania consciente.

Sem parar, movendo-nos PELA ESTRADA FORA!

Catarina Saraiva

* A autora do texto escreve segundo o Acordo Ortográfico.