© Cláudia Lancaster

Editorial VA10

Este é o término de um ano atípico, como têm sido estes últimos anos. No final da última edição, nunca pensámos que teríamos que passar por tantas confrontações e que a palavra resiliência se tornasse moda.
Dizem que a cultura foi um dos setores mais prejudicados, juntamente com o turismo. Sei que sim, que esta é uma realidade, mas também tomei consciência de quão importante é sermos solidários para podermos atravessar esta crise que nos pousou nos braços. Do quão importante é voltarmos a debater assuntos vitais – como a democracia e igualdade de direitos, como Sérgio Pelágio propõe aos mais pequenos e António Jorge Gonçalves e LBC Soldjah aos adolescentes e adultos.

Gosto de pensar que a pandemia foi uma vingança da natureza, uma força espiritual intensa que nos chama a atenção, de formas estranhas, sobre o Caos que os humanos provocam neste planeta, como se nos dissesse que somos demasiados, demasiado egoístas e demasiado materialistas; como tememos a diferença de outras formas de viver não hegemónicas, tal como nos mostram Pauliana Valente Pimentel e Miguel Bonneville.

Por um momento todos tivemos a consciência de que seria importante parar. No entanto, terminam os confinamentos e esta sociedade obriga-nos novamente a entrar num ritmo louco, ainda mais louco do que o que vivemos antes. Continuamos a cometer os mesmos erros, voltamos a pensar que a produtividade é a essência da vida e assim gastamos recursos, cansamo-nos e desgastamos o tempo de viver, como nos transmite Luciana Fina.

O que significa viver hoje em dia, acaba por ser a questão essencial.
E eventualmente – diante de tantas maleitas e de tantos horrores – perguntamos: qual é o papel da arte? De que forma podemos dizer que esta é, e deve ser, uma das prioridades da humanidade? Esta foi uma dúvida que também me assolou durante este período – que papel temos nós nesta sociedade pandémica, frágil, tal como questiona a Galeria de Arte Ambulante.
Mas também pensei que esta sociedade ostraciza as matérias não produtivas, as que pensam demais, as que apontam o dedo. E foi durante este período de dúvidas e de questionamento que me surgiu a resposta. Somos uma sociedade prestes a explodir pela nossa falta de coragem em assumir a necessidade de viver a sério. Viver a sério significa ter tempo para o prazer, para refletir, assumir o nosso papel enquanto cidadãos e enfrentar os problemas com soluções que não ponham em causa o Outro; conviver com os nossos sonhos e delírios, como nos propõe Alex Cassal.

Nesta edição a nossa imagem é uma bomba em explosão, uma chamada de atenção a todos os que se esquecem desse tick-tack, de que o Mundo não é imortal. Esquecemos a Greta, passámos a ter um novo lixo nas ruas – as máscaras descartáveis. Esquecemos a importância de olhar o Outro e passámos a olhar para nós. Passámos de gregários a individualistas, tal como José Jesus & Flávio Martins nos apontam.

Poderia continuar a chamar a atenção de muitas outras coisas, mas paro, porque também surgiram muitas coisas positivas neste tempo.
Tomámos consciência da nossa fragilidade humana, da nossa necessidade de contacto e de emoções com o outro, assim é a história de Carolina Cantinho & António Guerreiro, mas também de João Caiano & Martim Santos.
E aqui a arte tem um papel fundamental. Sem desculpas para existir, com tanto direito a um lugar ao sol como reclamam as petrolíferas, conseguimos erguer a cabeça e dizer que somos mais e melhores que os combustíveis fósseis e conseguimos encontrar alternativas no politicamente incorreto da arte, tal como nos propõe o percurso dos ZA!.

Esta é a 10ª edição de um festival que decidiu tornar-se bienal porque consideramos a necessidade de ver as coisas crescer, tal como se vê crescer uma planta ou uma criança. Uma criação artística tem a mesma fragilidade e a mesma necessidade de cuidado e por isso acompanhámos as que pudemos apoiar. Estas criações não são muitas nem os seus criadores são um grupo privilegiados de artistas, são artistas que têm tido um percurso de pensamento e análise crítica da sociedade: a arte é isso mesmo, tem essa grande capacidade de permitir encontro de ideias, pessoas, ideais coletivos, e esta é a grande necessidade da humanidade neste momento.

Por isso, antes ou para que tudo expluda, queremos voltar a chamar a atenção para as assimetrias que existem no planeta. Num período de pandemia, decidimos fazer uma programação 90% nacional. Sabemos que, enquanto festival independente, a nossa capacidade é diminuta. Sofremos – juntamente com os artistas que apoiamos – as consequências da falta de financiamento e regozijámo-nos quando o Ministério da Cultura entendeu a precariedade e aumentou os níveis de financiamento a este setor que, diga-se, é dos menos financiados pelo Estado Português.

Reduzimos a programação internacional, mas não diminuímos a qualidade das propostas. Este ano focamos a atenção no encontro, na possibilidade de que cada peça permita criar um espaço para que cada espetador possa encontrar o seu íntimo e a sua alegria. Nesta edição trabalhámos para conseguir chegar a alguma felicidade, àquela que nos permita ter consciência da importância de viver. E de percebermos como por vezes, explodir não é negativo.
Num momento em que podemos novamente dar as mãos, voltamos à máxima explosiva: ninguém larga a mão de ninguém! Contra as ditaduras, as opressões e os abusos de poder, fazemos um festival onde esperamos que cada pessoa veja o lado bom da vida e entenda quais são as coisas das quais não pode prescindir. Aponto uma: é preciso cuidar, é preciso ter cuidado…

Catarina Saraiva *

Durante 4 anos colaborei com a equipa da casaBranca para a realização deste projeto. É com muito amor que levo a memória do Verão Azul para desenvolver outros projetos, mas sempre pensando que unidos somos melhores e não largo esta mão, nunca mais.

* A autora do texto escreve segundo o Acordo Ortográfico.