© Tiago de Jesus Brás

RAQUEL ANDRÉ – Colecção de Amantes

Centro Cultural de Lagos / Sex 1 NOV 21h30
Espectáculo legendado em EN / Conversa pós-espectáculo com os artistas

TEATRO / 60' / M16 / 5€ - COMPRAR

Raquel André colecciona coisas raras.
Entre Lisboa, Ponta Delgada, Rio de Janeiro, Loulé, Minde, Paredes de Coura, Ovar, Manaus, Barreiro, Bergen, Stavanger, Oslo, Varzóvia, Cincinnati, Portland, Guimarães, Viana do Castelo, Covilhã, Santiago do Chile, Buenos Aires, Genebra já coleccionou 230 amantes , pessoas de várias nacionalidades, géneros e idades, que aceitaram encontrar-se com ela num apartamento desconhecido para ambos e, numa hora, construíram uma intimidade ficcionada, capturada pela memória e por fotografias.

O que estamos à procura quando encontramos alguém? Na era do E-mail, Facebook, Instagram, Tinder e Grinder, tornámo-nos hábeis em ficcionar intimidades. Postamos o que comemos, o que beijamos, onde vamos, o que pensamos e lemos, o que gostamos e não gostamos – tudo traduzido em views, likes e comments.

A colecção de Raquel é o resultado de uma obsessão pelo fascínio dos terabytes de informação que existem no minúsculo movimento do outro. É uma reflexão sobre intimidade que é explorada de um para um, tudo real e tudo ficcionado. Cada vez que a porta se abre para um novo amante, Raquel André cai no abismo que é o outro, e ficção e realidade confundem-se. Cada encontro é real. O flirt é real. A intimidade parece ser mais real do que ficcionada. E Raquel, coleccionadora obcecada, guarda cada encontro na sua colecção peculiar, efémera e infinita.
Este trabalho faz parte do seu projecto de Colecção de Pessoas: Colecção de Amantes, Colecção de Coleccionadores, Colecção de Artistas e Colecção de Espectadores.

Em 2017 foi editado o primeiro livro (Colecção de Amantes VOL.I), estreado na televisão uma versão de tele-teatro do espectáculo e em 2018 foi inaugurada a primeira Exposição da Colecção de Amantes.


Criação: António Pedro Lopes, Bernardo de Almeida e Raquel André
Música: noiserv
Desenho de Luz: Rui Monteiro
Adaptação de Luz e Direção Técnica em Tour: Eduardo Abdala, Carin Geada, Carolina Caramelo
Desenho de Som: João Neves
Produção Executiva: Missanga
Apoio: Direção Geral das Artes – Governo de Portugal, GDA, Apap-Performing Europe 2020


Grupo de Crítica VA9 – Textos

Sobre Colecção de Amantes de Raquel André
A solidão é o ruído que a estatística anula – Texto de Alexandre Valinho Gigas

Samuel Beckett começa a sua Trilogia do Ser, em Molloy, com a frase “Estou no quarto da minha mãe.” É uma forma de abrir a intimidade a cada interlocução com um novo e diferente leitor. Raquel André, na sua Coleção de amantes, explora no palco as intimidades de outra forma. Serve-se do exercício do dispositivo de se encontrar com desconhecidos a falar da sua noção de intimidade, com uma série de formas de registo que, numa dramaturgia que é inteligente, serve de base a perguntas essenciais a todos nós, seres humanos. Talvez mais aos seres humanos do paradigma “ocidental”, que sofrem, no fundo, de muita solidão no que às intimidades concerne. Oferece-nos uma leitura artística, de uma amostragem que vai fazendo o espetáculo crescer no tempo; nos seus ecos, em forma de livro, imagem, instalação. No entanto, há algo que falha na proposta. Parece-me que se está a tratar do tema Solidão e não da Intimidade, apesar de aparentemente só 86 pessoas terem admitido estar sós.
Conheci Samuel Beckett pelo Inominável, no fecho dessa trilogia que atrás referi. Só depois continuei com o seu princípio, em Molloy. À Raquel conheci-a na Coleção de Artistas, o seu terceiro trabalho. Só agora vi esta sua primeira colecção. Em ambos os casos encontrei mais a minha intimidade no desenvolvimento do pensamento, que no princípio dos exercícios. Os amantes de Raquel parecem-me sofrer de uma maior solidão que um ser inominável diz de um bunker, que já foi o quarto de sua mãe. Detenho-me nas perguntas que emergem dessas intimidades que não quero conhecer, questões muito políticas sobre temas como o feminismo, o ambiente, o amor. O sítio onde nascem esses pontos de interrogação é que é um deserto. Não obstante, temos todos de começar por qualquer lado. Lembro-me do começo do meu caminho e penso que jamais irei republicar o meu primeiro livro.
6 de Novembro 2019